[Resenha] O Nome da Morte: A história real de Júlio Santana, o homem que já matou 492 pessoas


Ordenou que Baiano caminhasse até a beira da cratera e aproximou o cano do revólver da cabeça dele, a uma distância de mais ou menos um palmo. Puxou o gatilho. O tiro ecoou no buraco como se fosse uma bomba. Júlio viu o corpo do garimpeiro despencar barranco abaixo e saiu correndo na escuridão. (pg. 189)

O-Nome-da-Morte_livroFicção, nãooooo! Esse trecho é uma pequena mostra do que você encontrará no livro reportagem “O Nome da Morte: A história real de Júlio Santana, o homem que já matou 492 pessoas” do escritor Klester Cavalcanti, pela Editora Planeta do Brasil.

Misture suspense, tensão, amor, medo, miséria, corrupção, morte, drama, violência, Ditadura Militar, disputa por dinheiro e poder, Guerrilha do Araguaia e o Sertão brasileiro; encaderne tudo e coloque na prateleira de uma livraria e tcharam: você terá uma obra de sucesso.

Brincadeiras à parte, não é bem assim que as coisas acontecem!

O autor é um jornalista talentoso vencedor do Prêmio Jabuti de 2005 com seu livro anterior “Viúvas da Terra” e tem grande experiência no gênero livro reportagem. Precisou de sete anos para conseguir convencer Júlio Santana a autorizar a divulgação do seu nome verdadeiro e uma foto no livro. A preocupação do protagonista era ser identificado e ter que prestar contas à Justiça por esses 35 anos de matança impune.

“O Nome da Morte: A história real de Júlio Santana, o homem que já matou 492 pessoas” conta a trajetória do matador de aluguel Júlio Santana, nome real, que “já deu cabo” em 492 pessoas em várias regiões do país.

Com uma história pra lá de interessante o matador “justifica” ser pistoleiro porque não sabe fazer outra coisa na vida e precisa garantir a sobrevivência da sua família.

Seus pagamentos são feitos em dinheiro, arroz, feijão, queijo, cachaça e outros itens que lhe interessam. E se você pensa que ele faz de tudo está enganado. Julio segue a risca um código de honra ensinado pelo seu tio policial militar, Cícero Santana, que o apresentou à profissão quando tinha apenas 17 anos de idade. Matar é um lance de família!

 

E quem é esse tal Júlio Santana, ou Julão?

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Mapa onde Júlio Santana esteve

O matador é um homem de pouca conversa, frio, obstinado e que saiu da selva amazônica (na divisa do Maranhão) cruzando vários Estados brasileiros para matar pessoas desde 1971, até conquistar sua “aposentadoria” em 2006 e o sossego no seio da família formada pela esposa e dois filhos.

Do primeiro serviço concluído até o descanso do matador, 492 pessoas foram vítimas da sua mira certeira, sendo 487 registradas numa espécie de “caderno de contabilidade” com capa de desenho animado.

Cada página desvenda uma morte cometida por um homem que preserva certa humanidade ao rezar suas ave-marias e pai-nossos a cada execução como forma de buscar a absolvição dos pecados cometidos.

A história desse personagem é daquelas que você fica indeciso ao identificá-lo entre mocinho ou bandido. Isso porque o livro revela esses Brasis que desconhecemos onde os fins justificam os meios. Você se compadece com a condição de pobreza extrema em que vive o cidadão e até entende os caminhos que a situação o levou a tomar. Mas também fica indignado com a frieza dos atos, a impunidade e as desigualdades que imperam no país.

 

Estrutura do livro

Boa parte do livro relata a primeira vez em que Júlio Santana empunhou uma arma e toda a sua angústia de menino com a situação. No capítulo intitulado “A caminho da Guerrilha do Araguaia” a narrativa ganha ritmo ao descrever o despertar sexual de Júlio, ainda adolescente, com sua namoradinha Ritinha e a oportunidade de trabalhar para as tropas do Exército Brasileiro na caçada aos comunistas escondidos nas selvas da região do Rio Araguaia. A função do garoto era guiar os soldados mata adentro na captura de guerrilheiros porque além de bom conhecedor da região, Júlio tinha outro talento indispensável para a tarefa: a boa mira e a vontade de ganhar muito dinheiro.

Por conta do seu trabalho para os militares Júlio passou a juntar dinheiro para ajudar a família e também se deliciar com a “bebida de rico”, Coca Cola. E por ser um fiel escudeiro dos militares, ao findar seu trabalho de perseguição aos comunistas, ganhou um par de coturnos e farda verde oliva com direito a boné, realizando seu sonho de menino.

“O Nome da Morte: A história real de Júlio Santana, o homem que já matou 492 pessoas” é um livro que prende sua atenção da primeira a última página e é composto por:

  • Prefácio
  • Nota do Autor
  • O primeiro serviço
  • A caminho da Guerrilha do Araguaia
  • A captura de José Genoino
  • A segunda morte
  • Gênese de pistoleiro
  • 487 mortes catalogadas
  • O descanso do matador

 

Nos capítulos “A captura de José Genoino” e “A segunda morte” o autor descreve de forma detalhada como o ex-político José Genoino (PT) e a guerrilheira Maria Lúcia Petit (PCdoB) cruzaram o caminho de Júlio Santana durante a Guerrilha do Araguaia, em 1972, e outros casos de perseguição aos militantes políticos durante a Ditadura Militar.

Cabe ressaltar que há certo exagero estilístico na exploração dessas duas histórias. Acredito que boa parte devido ao “valor histórico” que esses militantes têm para o país. Há muitos dados, fotos e registros que ressaltam a importância aos dois casos em comparação às demais vítimas do pistoleiro, consideradas “pessoas comuns”. Enquanto que em alguns casos o autor descreve o assassinato de forma sucinta, nesse capítulo ele capricha nos detalhes e apresenta dados comprobatórios que torna a narrativa demasiadamente descritiva e pouco fluida.

Queria muito falar das histórias contadas no livro, mas perderia a graça da leitura e a surpresa de se deparar com as situações apresentadas pelo autor. #SpoilerNao

“O Nome da Morte: A história real de Júlio Santana, o homem que já matou 492 pessoas” conta uma história verídica de um personagem com um passado fascinante, anônimo e que poderia facilmente ser seu vizinho. Júlio Santana é um homem que mata a mando de outros homens “poderosos” que fazem da mira do calibre a solução para seus problemas.

Trecho do livro sobre andanças de Júlio Santana na selva
Trecho do livro sobre andanças de Júlio Santana na selva

 

Uma história incrível

Vou ser repetitiva ao registrar, mais uma vez, que adoro livro reportagem e, principalmente, literatura nacional. Se for literatura sobre guerra ou histórias de pessoas anônimas como essa, minha paixão aumenta.

Imagino esse livro nas telas do cinema com o ator Matheus Nachtergaele no papel de Júlio Santana… viajei né? É que o livro e a história são bons mesmo!

Também imagino a “grata” situação de estar numa cobertura jornalística de um tema e descobrir uma história interessante como essa sobre um anônimo que cruzou a vida de guerrilheiros importantes durante a luta armada e que andou impune por esse Brasil afora de pistola em punho e gatilho certeiro. É verdadeiramente uma dádiva essa descoberta do Klester Cavalcanti!

Personagens anônimos com histórias incríveis estão em todas as partes, mas é preciso ter um feeling jornalístico apurado para extrair o melhor “conteúdo” dessas pessoas. Por essa razão Klester Cavalcanti entrou para a minha lista de jornalistas que devo ler mais.

A crítica que faço é que foram poucas histórias contadas de um universo de quase 500 mortes. Que bom seria se o autor pudesse fazer uma nova edição do livro acrescentando mais histórias ou quem sabe um segundo volume.

Apesar disso, recomendo o livro porque esses pequenos deslizes do autor, no meu ponto de vista, não tiram o brilhantismo do livro.

 

Sinopse

Depois de matar, Júlio Santana reza dez ave-marias e vinte pai-nossos para pedir perdão. Tem medo de acabar no inferno. Sem ideologia, Júlio Santana mata por ofício. Uma profissão que aprendeu em família, com seu tio Cícero, que lhe passou um trabalho aos 17 anos. Depois de 35 anos de ofício, contabiliza quase 500 vítimas registradas num caderninho com a capa do Pato Donald. Sem compaixão ou ódio, Kléster Cavalcanti faz o matador respirar e nos assombrar com sua frieza. Pela primeira vez, um pistoleiro mostra seu rosto e conta sua vida. Mais do que a denúncia da impunidade e o desnudamento das engrenagens da viciada máquina Brasil.

 

Informações Técnicas

Título: O Nome da Morte: A história real de Júlio Santana, o homem que já matou 492 pessoas

Autor: Klester Cavalcanti

Número de Páginas: 245 páginas

Editora: Editora Planeta do Brasil

Avaliação: Muito Bom


Uma resposta para “[Resenha] O Nome da Morte: A história real de Júlio Santana, o homem que já matou 492 pessoas”

  1. Em Belém do Pará as histórias contadas por esse jornalista são sempre recebidas com um pé atrás. Desde uma rocambolesca fuga de um sequestro onde ele diz ter subido em uma árvore de 25 metros de altura, o nome dele não é levado muito a sério em terras paraoras. Depois inventou uma história com o Lúcio Flavio Pinto…enfim, um pistoleiro que matou 492 pessoas e anotou tudinho??? hum hum…nem Sebastião da Teresona chegou a tanto

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