O jornalista Caco Barcellos (Rede Globo) o grande chamariz da noite inicia sua fala dando um histórico da sua trajetória jornalística e seu comprometimento com o jornalismo investigativo, a luta pelo respeito aos Direitos Humanos e defesa da justiça social e da democracia.
Reproduzo trechos do depoimento do jornalista Caco Barcellos dado na solene da Confecom Campinas (16/10/09):
“A imprensa que desejo não é aquela que fique protagonizando temas que interessa o público, mas que esteja atenta ao que a sociedade deseja. Não pode trazer para si suas conclusões e julgar o que é bom e o que é ruim para o povo (interesse público x interessa ao público).
É inegável que nos beneficiamos com os meios digitais que trazem de prontidão informações de qualidade (acesso mais fácil). Ao contrário dos tempos passados, o jovem pode acessar uma biblioteca sem sair de casa. Hoje vivemos numa sociedade mais bem informada do que vivíamos até então.
Quem pratica jornalismo com qualidade não pode contentar-se com uma simples entrevista, hoje temos uma gama de informações (fotografia, filmes, áudio etc) que dão suporte ao trabalho jornalístico.
Acho importante que a sociedade seja mais critica, porque tivemos grande desenvolvimento. Do ponto de vista da quantidade da informação tivemos grande avanço com as novas tecnologias e o aumento no fluxo de informações reforça a necessidade de informação de qualidade e reflexiva.
Temos uma grande satisfação quando nosso trabalho reflete o trabalho de retratar a realidade das camadas desfavorecidas. (…)
Realidade da cidade do Rio de Janeiro
O que se espera como êxito de trazer a Copa do Mundo e as Olimpíadas se vamos repetir os mesmos erros dos Jogos Pan Americanos?
Esses novos eventos devem trazer benefícios para a sociedade com redução da violência e melhora na qualidade da vida dos brasileiros.
Em relação à violência a Tropa de Elite matou mais de 1.350 jovens onde a cidadania não chega, 200 mais do que os países como China que matou tantos “dentro da lei” em guerras civis. Matamos mais jovens por pobreza, violência desigualdade e aproveitamos para “limpar a cidade” no período dos jogos do pan. Esses nomes fuzilados não são lembrados porque quem divulga não está preocupado em reconstituir os fatos, mas se agarrar às questões com apelo interesseiro como a famosa reconstituição da trajetória da bala perdida e outros assuntos técnicos. O drama da bala perdida é tão importante quanto o drama de jovens anônimos que são fuzilados pela falta de cidadania.
O morador do morro conhece as duas realidades: a do morro e da classe alta (elite). A empregada doméstica conhece a realidade das elites porque tem contato com a vida desses patrões e sobe o morro pra viver sua própria realidade, que é grave e cheia de drama, e que a gente não mostra.
Tivemos políticos de direita e de centro-direita e nenhum conseguiu combater ou enfrentar a realidade violenta do RJ. (…)
O Brasil é um país que mata. Com índices altíssimos de violência que atingem 45 mil mortes por ano.
Em tempos de guerra, como dos EUA contra o Iraque só sabemos quantos soldados americanos morreram: pouco mais de 4.500. No entanto, dados sobre as mortes ocorridas no “lado mais fraco” não foram contabilizados. Apenas uma ONG conseguiu contabilizar cerca de 130 mil iraquianos mortos. Morte por um sistema brutal de capital em torno de poderio.
O problema é que nós no Brasil estamos vivendo uma guerra onde brasileiro mata brasileiro pra ficar mais rico. E ninguém acaba ficando rico no final. O país só perde com isso.
Cerca de 4% das mortes em geral nas cidades brasileiras são de responsabilidade do Estado (o matador mais violento que os próprios bandidos/marginais “oficiais”). A tropa de elite mata mais que o próprio bandido.
E é com o dinheiro do meu imposto que eles fazem isso, sem o meu consentimento que eles provocam essas mortes.
Temos que estar mais atentos às questões mais importantes do país em relação à justiça social.
O verdadeiro matador brasileiro são aqueles que matam por desavença: brigas de casais, briga de transito, de torcida, de gangue, relações interpessoais etc.
Das 4.200 mortes que pesquisei cerca de 1.500 eram pessoas sem envolvimento com o crime e que são tachados por bandidos pela imprensa e pela polícia. Que tropa de elite é essa que é corajosa que só mata os fracos, não desejo que ela mate os ricos, mas que ela admita o genocídio que está cometendo.
Temos que admitir como jornalistas o nosso erro em divulgar essas informações sem nenhum tipo de cobrança, onde impera a impunidade, onde a elite comete crimes e sai ilesa sem questionamento.
Sobre a imprensa da esperança!
Jornalista não pode ter inimigo. A postura de classe dominante que temos não nos habilita a decidir o destino de alguém.
A imprensa independente tem como lição essencial a de contar história com profundidade, para que o sociólogo e o historiador consiga produzir reflexão sobre a história, o político faça sua parte em prol dos cidadãos e a democracia e a polícia cumpram o seu papel para que a pessoas vivam sem medo, com cidadania e democraticamente. Diferentemente de defender história, interpretar história, tentar defender interesse e buscar tomar lado em relação a esses interesses.
Imagine se as reportagens no Brasil ouvissem de fato os dois lados e retratassem o drama real do brasileiro pobre.
Acredito na imprensa da esperança!
A imprensa no Brasil e fora dele, chamada imprensa comunitária, que anda fazendo coberturas muito boas e realistas.
Nós não vemos no Brasil independência da parte dos meios de comunicação. E essa pauta é muito importante em defesa de um bom jornalismo.
A imprensa independente e forte também gera lucro e aumenta sua credibilidade ao reproduzir informação de qualidade,
O jornalista quanto mais distante do poder mais perto da verdade ele estará.
Acredito no valor da imprensa alternativa e independente. Eu defendo o jornalismo popular, apóio e defendo.
É possível fazer um jornalismo de qualidade quando conseguimos retratar com máximo de realidade a vida do brasileiro e teremos, sem dúvida, esse sujeito em nossa defesa também. E também acredito no valor do trabalho, pela minha trajetória de vida, vindo de família humilde. (…)
Não teremos condições de barrar e controlar as informações em tempos de novas tecnologias… Sou contra a censura e o controle de conteúdo e em defesa da informação consciente, consistente e de qualidade.”
Acredite: outra impresa é possível!